Entrevista a André Ventura: quando o ódio se sobrepõe ao jornalismo e ao serviço público de televisão

Começo este texto - que vale o que vale - com o ponto n.º 9 do Código Deontológico do Jornalista, e que curiosamente, recentemente, aqui recordei nos últimos dias. Diz então o ponto 9, e passo a citar:

"O jornalista deve rejeitar o tratamento discriminatório das pessoas em função da ascendência, cor, etnia, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social, idade, sexo, género ou orientação sexual". 

Serve isto, para lamentar, repudiar e condenar o péssimo serviço que o meu colega João Adelino Faria prestou ontem ao jornalismo português, na entrevista que fez ao candidato do Chega à Presidência da República, André Ventura

Começo pelo tom e pela sua expressão facial. Quem cá anda há muitos anos, sabe ver, analisar e perceber o que quero dizer. Por mais que eu não goste do entrevistado que tenha à minha frente, por mais que discorde de tudo o que ele representa, por mais que odeie - deixem-me que o diga assim - jamais posso demonstrar isso. Nem aos meus leitores nem à pessoa que tenho à minha frente. 

Fazer perguntas duras e certas não é a mesma coisa que demonstrar o meu pensamento. Ser jornalista é precisamente isto: relatar, questionar com exatidão, sem opinião, sem quaisquer laivos de apoio ou discordância.

O que ontem se fez na televisão pública, paga por todos nós, foi tudo menos jornalismo ou serviço público. Foram 30 minutos de ódio à vista e a sair pela tela do televisor.

Mais uma vez me repito, e repetirei até à exaustão: enquanto continuarmos a ter um regulador que não pune uma classe que presta um serviço incompetente ao público, não teremos uma profissão respeitada. 

André Ventura é um político, líder de um partido legalizado pelo Tribunal Constitucional, e nessa condição, deve ser tratado por todo e qualquer jornalista como todos os outros, com respeito e de forma séria. Uma coisa são as suas ideias, o seu posicionamento, aquilo que representa, unânime, para muitos cidadãos. Outra coisa, completamente diferente, é ser tratado como foi ontem por um jornalista com carteira profissional e que devia ter vergonha em tudo o que fez, desde o início ao fim. João Adelino Faria não se limitou a fazer as perguntas certas e livres a que tem direito, João Adelino Faria não tratou o entrevistado André Ventura como tinha tratado João Ferreira, candidato presidencial comunista. Pelo tom, pelas considerações e posições que tomou.  Que eu saiba, quem tem de fazer juízos de valor são os cidadãos, não são os jornalistas no exercício das suas funções. Mas se calhar ensinaram-me mal nos bancos da escola jornalística por onde passei... 

Os cidadãos e a (minha) classe que retirem as conclusões que quiserem. Eu, enquanto cidadã e jornalista, retiro as minhas. Enquanto jornalista, sinto-me envergonhada, pela classe e por continuar órfã de punição e regulação. 
E ainda querem que sejamos respeitados? Sê-lo-emos no dia em que nos dermos ao respeito e fizermos o nossos trabalho como temos obrigação de fazer. Todos os dias. 


Nota: não conheço André Ventura, não conheço João Adelino Faria, nem tenho por nenhum dos dois qualquer proximidade. As minhas opiniões, enquanto cidadã, sobre André Ventura, são conhecidas. O trabalho de João Adelino Faria era, para mim, insuspeito, sendo um dos jornalistas que mais seriedade tem tido para com a profissão. Mas o caso de ontem não pode ser silenciado por mim, enquanto jornalista tenho esse dever. E esse direito. 

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