18 anos de Jerónimo: uma Geringonça histórica e a impotência ante a implosão

Foto: PCP. 

Jerónimo de Sousa abandona o PCP. 18 anos depois de ter sido designado Secretário-Geral. 

Jerónimo deixa legado num partido vivo, mas fora do seu tempo. Foi longo o caminho, entre quedas e ânimos, e que o mantiveram à tona. 

Foi o único Secretário-Geral do PCP que acompanhei desde o dia zero. Talvez por isso, seja o político da Soeiro Pereira Gomes que conheci melhor até hoje. 

Lembro-me, com orgulho profissional, de ter sido à A Capital, a quem deu a primeira entrevista na noite em que se soube que era ele o próximo líder dos comunistas. Estava lá, naquela redação quase vazia, às nove da noite, em que resistem os que estão de fecho, e empurrada pelo brilhante Rogério Rodrigues, já falecido, à época diretor-adjunto do jornal. Foi graças ao Rogério que entrei nos meandros da Soeiro Pereira Gomes. Foi ele que me abriu a porta aos históricos dirigentes comunistas, que me deu credibilidade, a mim, uma miúda acabada de sair da faculdade, e com todos os sonhos da classe na bagagem. 

Esta explicação impõe-se porque o início da caminhada de Jerónimo do PCP coincide com o começo da minha carreira jornalística. E ambos, ele como deputado e eu ainda estagiária, iniciamos no Parlamento, uma relação de confiança que perdurou sempre. 

Assisti, na primeira fila, a todo o seu trabalho, parlamentar e partidário, durante quase 10 anos. Fui testemunha da seriedade e lealdade que, até hoje, dedicou ao partido. Pese embora os pressupostos ultrapassados do PCP, Jerónimo nunca se desviou um milímetro da marca que quis deixar na história do comunismo português. Fê-lo, mantendo valores de respeito para dentro e para fora da estrutura. E deu o corpo às balas em todas as frentes. Até hoje. 

Posições discordantes à parte (e são muitas as que nos separam, ou quase todas, diria até), Jerónimo manteve o PCP no eixo e com a marca que o distingue dos outros partidos políticos: exímio na estrutura organizativa e na gestão imaculada. O PCP é aquele exemplo que dou muitas vezes – irónico até – de uma empresa de referência no que toca à gestão e à coerente forma de existir. 

Foto: PCP. 


Se há 'pai' da Geringonça, é Jerónimo

Quedas e tombos eleitorais à parte (que conduziram o partido nos últimos 20 anos a perda de eleitorado e de domínio territorial nunca visto), ficará para a História como o único líder comunista português capaz de fazer um acordo à esquerda e com a esquerda. A Geringonça nasceu pelo impulso de Jerónimo, naquela noite histórica, em que disse, em direto, para milhões de portugueses que António Costa só não formaria Governo se não quisesse. 

Mas tal como soube dá-la à luz, também a destruiu, quando achou que o firmado não foi cumprido. E isto leva-me ao outro ponto em que o PCP é diferente de todos os outros partidos, na minha opinião: a palavra, o compromisso. Os comunistas são homens e mulheres para quem “a palavra dada” é mesmo “honrada”, e não perdoam quem, com eles, rasgue acordos. Isso, para mim, é outra das caraterísticas que, para o bem e para o mal, separa o PCP do resto da fornada. 

Com a saída de Jerónimo abre-se um novo ciclo, a meu ver, muito periclitante, que irá expor, ainda mais, as debilidades de um partido que resiste fora de tempo, defendo causas impensáveis para muitos de nós. O tempo o dirá. Mas acredito que isto é só mais um passo para um desfecho inevitável. 

Falar do PCP é falar sempre de um legado político e partidário que se confunde com Portugal, com a democracia e com os períodos conturbados antes dela.

De Bento Gonçalves a Álvaro Cunhal, a Carlos Carvalhas e terminando agora em Jerónimo, este é um partido que conta com inúmeras figuras de peso que lhe deram substância, que nunca o desvirtuaram, mesmo quando os tempos de mudança pairavam no ar, mesmo quando a nível mundial a evolução matava as ideologias. 

Mas o combate e a determinação são duas das maiores qualidades de um partido que teme – desde sempre - descaraterizar-se e vender-se ao capitalismo. Foi esse também sempre o medo de Jerónimo, e nas celebrações do centenário do partido, em 2021, isso ficou patente mais do que nunca. 

Contudo, e como já aqui disse muitas vezes, não há futuro para este partido. Será uma questão de tempo. Porque o progresso não é compatível com ideias de há 100 anos. O desenvolvimento económico e social também não. E olho para o tal futuro que hoje os comunistas clamam como uma chama, quase, quase a apagar-se, com muitos lados sombrios. Não podemos defender massas com princípios desajustados, de outro século. Se isso não for entendível, não há retorno. E não haverá, na minha opinião. 

Por fim, dizer ainda que não é inocente a data marcada para a saída oficial: 12 de novembro. Estratégico. Álvaro Cunhal nasceu a 10 de novembro e, é nisto, que a política e os seus executores se transformam numa arte sem igual. Fazê-lo dois dias depois dessa efeméride é capitalizar e também a arte de se ser inteligente. Curioso? Não, ‘é política, estúpido!’. 😊

Foto: PCP. 

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