140 milhões de pessoas deslocadas em 2025
Novos recordes de pessoas deslocadas, um subfinanciamento que põe em causa direitos básicos e a existência de emergências humanitárias prolongadas e sem soluções à vista são os principais desafios apontados pela Portugal com ACNUR, parceiro nacional da Agência da ONU para os Refugiados para o ano de 2025.
2025 será um ano desafiante para quem presta assistência humanitária com as emergências a agravarem-se em várias partes do mundo. Foto: UNHCR/Andrew McConnell
Para a Portugal com ACNUR, 2025 começa com uma certeza preocupante: “a crise humanitária a nível global continuará a agravar-se, acentuando a situação dramática em que vivem centenas de milhões de pessoas deslocadas em todo o mundo”, afirma Joana Feliciano, Responsável de Comunicação e Relações Externas, citada em comunicado.
“Com menos de um mês decorrido desde o início do ano, já pudemos assistir à destruição causada por mais um ciclone em Moçambique e pelo crescer da violência no país que, em conjunto, levaram milhares de pessoas a fugir das suas casas; testemunhámos também novos fluxos de deslocações forçadas em massa na República Democrática do Congo devido ao intensificar dos conflitos internos; e estamos a acompanhar o desenrolar da situação na Síria, portanto, infelizmente só podemos prever um agravar do panorama humanitário em 2025”, explica.
Um novo recorde histórico de pessoas deslocadas à força devido ao intensificar dos conflitos e da violência e ao crescente impacto das alterações climáticas, o subfinanciamento das emergências que põe em causa a assistência prestada pela Agência da ONU para os Refugiados (ACNUR) no terreno ou a impossibilidade de construir soluções reais e duradouras que permitam resolver estas crises humanitárias são alguns dos principais motivos apontados pelo parceiro nacional do ACNUR para explicar este agravamento.
Número de pessoas deslocadas poderá atingir os 140 milhões em 2025
Cerca de 140 milhões de pessoas deslocadas: é esta a previsão do ACNUR para 2025. O alerta chega-nos de Filippo Grandi, Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados: “ao perspetivarmos os próximos meses, sabemos que surgirão muitas crises ainda desconhecidas e emergências que não podemos prever”.
Só no último ano, a Agência da ONU para os Refugiados geriu 43 declarações de emergência ativas em 25 países, incluindo 26 novas emergências declaradas em 2024 e 17 crises em curso desde 2023. Para Grandi, este aumento reflete uma situação muito preocupante e com características muito particulares com “fluxos de deslocação forçada bastante complexos à medida que as pessoas continuam a fugir da violência e, cada vez mais, dos efeitos das alterações climáticas”.
Joana Feliciano, da Portugal com ACNUR, revela que “cerca de metade de todas as pessoas deslocadas à força veem-se afetadas tanto por conflitos como pelos efeitos adversos das alterações climáticas”. E alerta: “As alterações climáticas estão a acentuar os desafios que as pessoas deslocadas enfrentam, aumentando assim o risco de deslocações prolongadas, recorrentes e sucessivas. Basta olharmos para o que está a acontecer no Sahel ou no Corno de África, onde o conflito foi muitas vezes o motor inicial das deslocações forçadas, mas foram os efeitos da crise climática que impediram estas pessoas de se estabelecerem, obrigando-as a fugir novamente”.
No Afeganistão e na Síria, o regresso inesperado e em massa de refugiados que tinham deixado o país veio colocar ainda mais pressão em comunidades já muito fragilizadas. Foto: UNHCR/Oxygen Empire Media Production
Este elevado número de pessoas forçadas a fugir e a existência de tantas emergências a requerer assistência urgente colocam também dificuldades acrescidas ao financiamento das operações no terreno.
“O subfinanciamento é neste momento o nosso maior desafio, uma vez que nos impede de dar resposta a todas as necessidades mais básicas apresentadas e de garantir que os direitos fundamentais destas pessoas são respeitados”, realça Joana Feliciano.
De acordo com os dados do ACNUR, para 2025 e tendo em conta esta estimativa de 140 milhões de pessoas deslocadas, a Organização prevê necessitar de um orçamento na ordem dos 10 mil milhões de dólares a nível global para garantir proteção, assistência e soluções para as existentes e novas crises humanitárias.
Ucrânia, Líbano, Etiópia e Sudão são as operações que requererão maior financiamento para fazer face às complexas necessidades apresentadas. Além disso, este orçamento tem ainda em conta o elevado volume de reinstalações que deverão ter lugar em 2025, cerca de mais meio milhão do que no ano anterior. “As reinstalações de pessoas deslocadas têm sido uma estratégia eficaz desenvolvida pelo ACNUR para retirar pressão de comunidades de acolhimento onde os recursos já estão no limite e para dar resposta a novas emergências em contexto de deslocação forçada resultantes do impacto climático”, explica a Responsável de Comunicação da Portugal com ANUR.
A Agência da ONU para os Refugiados estima que cerca de 2,9 milhões de refugiados necessitarão de ser reinstalados em 2025.
O subfinanciamento vai afetar as operações do ACNUR nos países onde está presente e impedir que direitos tão básicos como a alimentação, o saneamento ou a proteção sejam cumpridos. Foto: UNHCR/Mark Macdonald
Myanmar, Afeganistão, República Democrática do Congo, Sudão, Síria: as emergências prolongadas sem soluções à vista que poderão sofrer novo revés
Num ano que se apresenta tão desafiante, a Portugal com ACNUR avança algumas das emergências que requererão maior atenção e intervenção por parte do ACNUR: Myanmar, Afeganistão, República Democrática do Congo, Sudão e Síria. “Falamos de emergências que duram há vários anos e que assistiram recentemente a um agravamento das crises humanitárias em curso, quer devido ao intensificar de conflitos ou ao impacto das alterações climáticas, quer pelo regresso em massa de refugiados para contextos muito vulneráveis e fragilizados”, esclarece Joana Feliciano.
Em Myanmar, assistimos desde outubro de 2023 ao recrudescimento do conflito, que, juntamente com os fenómenos meteorológicos extremos que têm assolado a região, levaram ao aumento das deslocações no interior do país e a novos fluxos de refugiados, tornando as perspetivas de proteção e humanitárias para 2025 cada vez mais suscetíveis de se agravarem. Situação semelhante é vivida na República Democrática do Congo, onde o escalar da violência já forçou 237 mil pessoas a fugir só neste primeiro mês do ano. Esta é uma das crises humanitárias mais alarmantes do mundo, embora ainda pouco divulgada, marcada por violações generalizadas dos direitos humanos e deslocações forçadas em massa e epicentro da recente epidemia de Mpox.
Também no Sudão, um novo surto de cólera está a ameaçar as populações deslocadas no país e respetivas comunidades de acolhimento e a trazer novas dificuldades para um contexto já de grande fragilidade. A Portugal com ACNUR adianta que, “se a guerra continuar e as deslocações prosseguirem, as já vastas necessidades humanitárias aumentarão em 2025 e será impossível cobrir até as necessidades mais básicas, em especial no que diz respeito ao fornecimento de água e instalações de saneamento, o que por sua vez agravará a situação sanitária no terreno”. O escalar desta guerra está a provocar grandes impactos também a nível regional que se estendem a países como o Chade, Egito, Etiópia, Sudão do Sul, Líbia e Uganda, dificultando ainda mais a intervenção do ACNUR, sendo que alguns deles apresentavam já emergências em curso.
Já na Síria e no Afeganistão, o agravamento da situação humanitária prende-se sobretudo com o regresso em massa de refugiados e as vastas necessidades de reinstalações. O Afeganistão continuará a ser em 2025 uma das crises mais urgentes do mundo. Com mais de meio milhão de refugiados afegãos a necessitarem de ser reinstalados em 2025, o ACNUR irá reforçar as suas operações no terreno para prestar assistência crítica e proporcionar simultaneamente o acesso a serviços básicos, a soluções sustentáveis de abrigo e habitação e a meios de subsistência, com especial foco nas mulheres e raparigas.
A Síria assistiu também nos últimos meses a um regresso em massa de refugiados ao país em consequência do novo regime instalado e também dos conflitos no Líbano, uma tendência que se deverá manter em 2025 e que acarreta novas preocupações. “Trata-se de uma das crises mais duradouras – perdura há 14 anos – e que provocou um maior número de deslocações forçadas, algo que não será resolvido em 2025. Aliás, o ACNUR estima que este ano a Síria registe 7,2 milhões de pessoas deslocadas internamente e 6,2 milhões de refugiados, além de ser o país com as maiores necessidades de reinstalação de refugiados a nível mundial. Portanto, as perspetivas para 2025 são profundamente preocupantes, tendo em conta a grande incerteza em torno de uma solução pacífica para esta crise e os conflitos crescentes na região, juntamente com o financiamento limitado e a diminuição do apoio humanitário e da resiliência”, alerta a Portugal com ACNUR.
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