À descoberta de Castelo Novo: a aldeia que se aconchega no abraço da Gardunha
Na parte sul da Serra da Gardunha, entre as
ribeiras de Gualdim e de Alpreada, situa-se a aldeia histórica de Castelo Novo. Aqui dominam as típicas casas de pedra granítica da Beira Baixa. Tomada de
longe, a serra parece abraçar a localidade, com perto de 300 habitantes, numa
imagem de bilhete-postal. A agricultura é a atividade principal de uma aldeia
que vai resistindo à interioridade, ancorada no turismo, que aumentou nos últimos
anos.
Texto e Fotos: Ana Clara
Ao abandonarmos a autoestrada da Beira
Interior (A23), no Fundão, avista-se ao longe um casario encravado na serra da
Gardunha.
A imagem parece saída de um postal turístico, onde predomina o verde
da estação primaveril, numa espécie de abraço que envolve a povoação encravada
nas encostas da serra.
Assomem na paisagem algumas cerejeiras
carregadas de flor. Promessa do fruto que amadurecerá sob o calor da nova
estação. Próximo, à beira da estrada, uma placa rodoviária indica que estamos
na direção certa.
Castelo Novo, no concelho do Fundão, tem estatuto de
localidade histórica desde 1994, altura em que integrou a Rede de Aldeias
Históricas de Portugal.
À medida que nos aproximamos, um sol intenso de
Primavera, convida-nos a percorrer as ruas da localidade. Subimos à aldeia,
onde existem recantos em cada rua e ruela, e onde predominam as casas de
granito tipicamente beirãs e os seus alpendres solarengos.
No Largo D. Manuel I encontramos os primeiros
habitantes da aldeia. José Duarte, natural de Castelo Novo, construtor civil e
agricultor «uma vida inteira», desliga o motor do trator que conduz. Mete
conversa com o conterrâneo Joaquim Paulino, que está de regresso para o almoço
depois de uma manhã de rega na horta que cultiva nas redondezas.
Encetamos conversa com os dois homens, que
avivam memórias da aldeia que os viu nascer e cuja existência surge nos
escritos do Reino, pela primeira vez, em 1208, através de D. Pedro Guterres, o
primeiro governador da localidade.
José Duarte dedica-se também à fruticultura,
um dos setores produtivos «mais fortes» nesta região da Beira Interior. «As
cerejas e os pêssegos são os frutos mais produzidos por aqui, mas cultivamos de
tudo, é o que a terra dá, desde batata, a feijão e cebolas», adianta.
Também Joaquim Paulinho se dedica à
Agricultura. Aos 56 anos, refere que também nunca saiu de Castelo Novo, e é o
negócio da fruta que lhe dá o «sustento da casa», produzindo não só para
consumo doméstico como para venda nos mercados de Alcains, Atalaia e Póvoa,
localidades próximas de Castelo Novo.
Turismo e «romaria» em Agosto
Castelo Novo conta, hoje, com uma população
aproximada de 300 habitantes. Os jovens «vão embora à procura de emprego que na
terra não há» e até a escola primária, «que animava a aldeia» fechou. José
Duarte diz que são os turistas, sobretudo espanhóis, que «vão animando a terra
durante o ano todo».
«Depois de a terra ter passado a aldeia
histórica e com a construção da A23 isso trouxe mais turistas», afirma José
Duarte, acrescentando que muitas casas foram recuperadas.
«Durante muitos anos,
algumas famílias residentes em Lisboa aproveitavam para vir descansar para aqui
aos fins-de-semana. Mas agora, com as portagens na A23, muitos já não vêm com
tanta frequência».
É em agosto que Castelo Novo se enche de
gente. Os emigrantes, essencialmente radicados na Suíça e em França, regressam
à terra com as famílias e «é uma romaria o mês todo».
Deixamos José e Joaquim e prosseguimos viagem
até à Casa da Lagariça, no Largo Petrus Guterri, onde Francisco Afonso abriu,
há seis anos, uma loja de artesanato.
Casa com um nome sobejamente conhecido em
Castelo Novo por ali mesmo ao lado ter existido um lagar de vinho datado dos
séculos VII e XVII. Escavada na rocha a lagariça testemunha ainda hoje as
primeiras culturas e práticas vitivinícolas da região, servindo em tempos idos
para o fabrico do vinho da comunidade.
Francisco Marques, que nos acompanha na
visita, refere que a vida na aldeia «é pacata» e que «é um verdadeiro paraíso
para descansar».
A sua loja, aberta apenas aos fins-de-semana, veio dar «mais
vida à aldeia» e reconhece que, apesar de a crise afetar «o país de forma
transversal» é essencial «dinamizar estas aldeias. Só assim se pode contrariar
os que abandonam a terra, dando também algo a quem nos visita», sublinha.
É precisamente Francisco que nos conduz no
resto do percurso, que considera «obrigatório», à aldeia. A paragem seguinte é
precisamente o castelo, um elemento de referência, com a sua imponente torre de
menagem, e cuja construção data do século XIII (1202), no reinado de Sancho I.
Situado por detrás dos paços do concelho, no
ponto mais alto e central da aldeia, impõe-se do alto das suas muralhas, «numa
verdadeira representação de arquitectura militar gótica e manuelina», conta
Francisco.
No pano de muralha é visível a existência de
duas portas a nascente e a poente, que constituíam entradas na cidadela. Da
torre de menagem, a vista sobre a aldeia é privilegiada. Miradouro sobre a teia
urbana, um labirinto apertado de casario que forma jogos de luz e sombra.
No castelo há ainda um miradouro virtual que
convida os turistas a olhar mais de perto a aldeia, e que conta a história e
das tradições de Castelo Novo.
Da estrutura defensiva, regressamos às ruas da
aldeia. Francisco não descura o seu papel de anfitrião, levando-nos a visitar o
Chafariz da Bica, um monumento barroco ostentando a pedra de armas de D. João
V. Passamos, ainda, pela praça onde se encontra o pelourinho, de estilo
manuelino.
Também consideradas monumentos de «real valor
arquitectónico», como conta Francisco Afonso, são as igrejas. E Castelo Novo
possui duas, «devidamente restauradas». A Igreja Matriz, de estilo medieval,
remodelada no século XVIII e que possui no seu interior elementos que
representam o estilo barroco. Na Rua da Irmandade da Misericórdia, encontramos
a Igreja da Misericórdia, do século XVII.
Nas ruas e ruelas as casas apalaçadas conferem
a Castelo Novo um tom diferente de encantamento. Há, também, antigos solares do
século XVII, pequenas varandas de madeira e na calçada vestígios romanos.
No percurso pela aldeia, o silêncio
predominante, é apenas interrompido pelas brincadeiras de rua de algumas
crianças.
Ao deixarmos Castelo Novo, e à medida que nos
afastamos, o quadro que nos é devolvido, embora não diferindo do que
encontrámos ao chegarmos, ganha os contornos de um sol poente. Um fim de dia
com a promessa de uma noite de abóboda constelada, longe dos céus foscos das
grandes cidades.
Na estrada, de regresso, recordamos as
palavras de Francisco Afonso. Há um «ritual da natureza que embeleza Castelo
Novo. Especialmente sempre que chega a primavera».
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