Belmonte: a vila que deu ao mundo Pedro Álvares Cabral
Situada numa das encostas da Serra da Estrela e com o rio Zêzere a seus pés, nesta vila
da Beira Interior, berço do navegador Pedro Álvares Cabral, a vida
corre lenta, sendo apenas interrompida pelos grupos de turistas que
animam as praças e ruelas. Subimos ao castelo, visitámos os museus e as
igrejas e fomos conhecer a antiga Judiaria e atual Sinagoga, símbolos
maiores da comunidade judaica na região.
Texto e Imagens: Ana Clara
Em
Belmonte, vila da Beira Interior que integra a Rede das Aldeias
Históricas de Portugal, e que remonta ao século XII, quando D. Sancho I
lhe concedeu o foral, há, como em muitas cidades e vilas portuguesas,
uma avenida, considerada ponto central que orienta o turista para a
restante localidade.
No
caso de Belmonte, é a Rua Pedro Álvares Cabral que cumpre este papel, e
onde se situa a maior parte dos serviços da vila, como a Câmara
Municipal, agências bancárias, e algumas lojas e cafés. Tal não seria
difícil de perceber já que foi aqui que nasceu, em 1467, o navegador
Pedro Álvares Cabral, que descobriu o Brasil em 1500. Em sua homenagem, é
nesta rua que está situado o Museu dos Descobrimentos, situado no
antigo Solar dos Cabrais, dedicado precisamente a este período da
história portuguesa.
Ao
percorrer as ruas e praças da vila, percebe-se que o navegador
português é lembrado em quase todo o lado, havendo igualmente uma
estátua em sua memória, de granito e bronze, situada no Largo Dr.
António José de Almeida. «A nossa terra é mais conhecida pelo Pedro
Álvares Cabral». Quem o atesta é Maria Teixeira, que está à janela da
sua casa térrea, mais à frente, na Rua 25 de Abril.
«Temos
até um Museu dos Descobrimentos, sabia?», questiona Maria, dizendo que
«são os turistas» que atualmente «trazem vida e animação à vila».
«Faz-nos falta muito trabalho, porque fecharam as principais fábricas
que tínhamos», lamenta.
A idosa resume, em minutos, o filme da sua vida que classifica
como tendo sido «de tormentas». Nascida e criada em Belmonte, ali casou,
tendo trabalhado «a vida inteira» na empresa de confeções Cilvet, que
entretanto faliu, «e que deixou muita gente no desemprego», lembra
Maria, em tom de tristeza.
Para
compensar a ausência de oportunidades de trabalho, afirma que «apesar
de os turistas chegarem à vila com a carteira cada vez mais vazia» ainda
são eles «que vão entretendo os que por cá moram». «Mas aqui as pessoas
podem viajar nas memórias do tempo, temos imensos museus, o castelo e
depois os judeus, que fazem parte também da terra», sublinha.
O castelo e a Igreja de São Tiago
Prosseguimos
viagem rumo ao castelo de Belmonte, construído por D. Sancho I no
século XIII. Símbolo defensivo da Reconquista portuguesa, está também
intimamente ligado aos Descobrimentos, já que foi residência da família
de Pedro Álvares Cabral até aos finais do século XVII. Subimos à Torre
de Menagem.
O dia está ventoso mas, ainda assim, permite apreciar a
vista. Ao longe, avista-se o vale por onde corre o rio Zêzere e, à
volta, a paisagem em tons de verde que se apresenta como um verdadeiro
postal turístico da Beira Interior. O silêncio, esse, é apenas
interrompido pelo sopro intenso do vento do dia.
Ao
percorrermos o castelo, são visíveis as várias transformações efetuadas
no pano da muralha oeste, com a construção de várias janelas
panorâmicas, destacando-se uma janela de estilo manuelino, da primeira
metade do século XVI.
Atualmente o edifício tem funções turísticas e
culturais, tendo sido construído um anfiteatro ao ar livre e uma sala
oitocentista transformados em espaços museológicos dedicados à história
do concelho e do castelo.
Perto
do Castelo situa-se a capela de Santo António, mandada edificar pela
mãe de Pedro Álvares Cabral, D. Isabel Gouveia, no século XV. Segue-se a
próxima paragem, um pouco mais abaixo: a Igreja de São Tiago e Panteão
dos Cabrais, um monumento de traço românico, que sofreu modificações ao
longo dos tempos, apresentando também alguns elementos góticos e
maneiristas, como nos explica a técnica do espaço.
Naquele
dia de abril, são muitos os turistas que entram e saem da Igreja, e a
responsável está atarefada, não parando um segundo para responder às
dúvidas dos curiosos. Porém, conta-nos que não há certezas da data de
construção deste templo, «tendo talvez sido construído em 1240».
No
seu interior destaca-se, entre muitos elementos, uma Pietá, talhada
numa única peça de granito da região e pode ainda observar-se o
altar-mor, decorado com frescos do século XVI, representando Nossa
Senhora, São Tiago e São Pedro, «que muitos dizem ser uma representação
de Pedro Álvares Cabral», explica a técnica.
Situada
num dos caminhos portugueses de peregrinação a Compostela, a Igreja de
São Tiago seria também um local onde os peregrinos «encontravam um
conforto espiritual no decurso da sua jornada».
Adossado
à Igreja está o Panteão dos Cabrais, construído em 1483. A renovação
deste deve-se a Francisco Cabral, primeiro alcaide de Belmonte após a
Restauração, tal como a ele se devem alguns túmulos renascentistas ali
existentes datados de 1630, como explica o painel informativo à entrada
do espaço.
A força da comunidade judaica
Mais
à frente, na Rua da Fonte da Rosa, encontramos a sinagoga de Belmonte,
símbolo que comprova a existência de uma comunidade judaica viva na
vila. Em Belmonte, uma comunidade de judeus está referenciada desde o
século XIII, testemunhada pelo achado de uma epígrafe e datada de 1297. A
presença de judeus na vila não é um facto isolado no caso de Belmonte,
tendo-se conhecimento da existência de outras judiarias nas cidades,
vilas e aldeias da região.
Com
a expulsão de judeus decretada por D. Manuel em 1496 e, posteriormente,
com a instauração da Inquisição, muitos judeus abandonaram a vila, e os
que ficaram professavam a sua religião em segredo.
Atualmente
a comunidade judaica de Belmonte, que oficialmente existe desde 1988,
tem uma sinagoga nova e um cemitério próprio. A sinagoga foi inaugurada
em 1996, encontrando-se orientada para Jerusalém e tem o nome de Bet
Heliahu, em homenagem ao judeu benemérito que ordenou a sua construção.
«Acredita-se que é a última comunidade de origem cripto-judaica a
sobreviver, enquanto tal, em toda a Europa», lê-se no documento
informativo que nos disponibilizam na autarquia de Belmonte.
Daqui,
rumamos à antiga Judiaria, estando organizada em torno das atuais rua
Direita e Rua Fonte da Rosa. As estrelas de David nos portões, os
castiçais na porta e no gradeamento identificam este templo judaico. No
exterior, descobrem-se pormenores como as várias caleiras que sobressaem
das paredes recolhendo a água da chuva para o Mikvé (tanque interior
onde se tomam os banhos da purificação).
«Os
judeus eram sobretudo artesãos e comerciantes pelo que nas suas casas, o
piso inferior estava destinado à oficina ou à loja, apresentando este,
na maioria dos casos, duas portas. Nas ombreiras destas alguns motivos
cruciformes são ainda visíveis», esclarece Graça Ribeiro, proprietária
da casa de turismo em espaço rural Passado de Pedra, em Caria, freguesia
do concelho de Belmonte, que nos acompanha na visita.
No
regresso, encontramos Ana Maria, que vive numa rua ali mesmo junto da
antiga Judiaria. Metemos conversa com esta mulher de 54 anos, sentada à
porta de casa, e atualmente na pré-reforma, e que passa os dias a
trabalhar na horta que cultiva uns metros mais abaixo. A «falta de
saúde», diz, «obrigou-me a sair da fábrica de confeções», outra das que
na região foi à falência.
A
vida por aqui «é calma», refere, sublinhando que «apenas os turistas
vão dando cor a Belmonte». «Pode não acreditar, mas há dias em que são
mais de seis e sete autocarros os que aqui chegam com turistas. É o que
nos vale», refere, despedindo-se em seguida para ir «ver da panela do
almoço» que tem ao lume.
A
viagem a Belmonte começa a chegar ao fim. E, de regresso ao ponto de
origem, à Rua Pedro Álvares Cabral, atravessamos o Largo Afonso Costa,
onde nos sentamos junto a um banco de jardim para descansar as pernas.
De repente descobrimos mais uma história de outro português que marcou a
história da vila. Junto ao banco, há uma lápide que homenageia o músico
José Afonso, que viveu em Belmonte com a avó paterna e um tio.
Graça
Ribeiro, que ainda nos acompanha na visita por Belmonte, diz que a
história que «se conta» é a de que terá sido aqui que Zeca Afonso viveu
as suas primeiras paixões amorosas e as suas primeiras animosidades
políticas em particular com o tio, que era chefe da Legião Portuguesa e
Presidente da Câmara. «É uma vila recheada de história e surpresas
esta», remata Graça Ribeiro.
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