A minha expectativa em relação à entrevista de
António Lobo Antunes, ontem, à RTP, era alta. Alta, com muitas reticências.
Primeiro, pela dificuldade que é conversar com o António na condição de
repórter. Em segundo lugar, porque em televisão, o cenário só piora. Quem
conhece Lobo Antunes sabe que é um escritor peculiar, pautado por registos orais
e um modo de estar que dificulta o tratamento jornalístico. Não é culpa dele,
como é óbvio (nem da jornalista), porque aquela imagem é ele próprio. Simplesmente é um trabalho duro de
roer, como costumo dizer. Mas a entrevista de Fátima Campos Ferreira matou, em
parte, a tal expectativa, que se cria junto do espectador. Além de nitidamente
«cortada» (talvez por essa dificuldade de entrevistar o escritor em televisão),
padeceu de uma pobreza terrível. Nem uma única pergunta sobre o seu último
livro, ‘Caminho como uma Casa em Chamas’. Nem uma questão sobre o próximo (se é
que há nova prosa). Da conversa, que será transmitida na íntegra, na próxima
sexta-feira à noite, na RTP Informação, há pequenos nadas que valem pela
inteligência do entrevistado e pelos pequenos nadas que ele me faz sentir. Sentada no meu sofá, ia tirando notas, das frases
tão simples que, só ditas por ele, parecem belas. «Saber fazer pastéis de
bacalhau é tão importante como ter lido “Os Lusíadas”. É uma forma de cultura»,
foi talvez a frase mais jornalística que proferiu. E pode até ser, mas, para mim,
há outras que se destacaram, pela importância do pensamento de ALA no momento actual.
Sobre o Papa Francisco, disse: «O Papa aproxima as pessoas de Deus, dando-lhe
uma dimensão quase humana de Deus». «Isto (Portugal) é um bairro pobre» | «Não
tenho dúvidas de que (o actual Governo) vai perder as eleições |
«Podemos fazer todas as críticas a Salazar mas era muito mais inteligente que
todos os políticos pós-Revolução» | «As pessoas mais reles que encontrei foi nas
classes altas. Nas das classes baixas eu pude ver a nobreza delas» | «Adoro o
nosso mau gosto». Isto é Lobo Antunes, despido, sem mácula, sem medo da nudez
interior. A idade e o seu percurso já lhe confere a legitimidade de contar
episódios íntimos, como a do caso que teve com uma dentista norueguesa nos
arredores de Nova Iorque. Ainda assim, foi ousado, porque, que me lembre, nunca
o tivera feito em televisão. Ficamos todos a saber que as estrangeiras a gritar
não chegam nem aos calcanhares das portuguesas e da Língua-Pátria. Um pormenor (de cariz sexual),
que pode dar para rir, mas que radiografa, e muito, a inteligência de ALA, e que o faz com mestria, contando a estória com palavras de sábio. Como nem tudo pode ser mau, para os que conhecem
mal o escritor, houve um ou dois momentos em que ele soltou um sorriso genuíno,
intencional e até mesmo universal. É exactamente aquele sorriso que sai do
fundo, que não pode vir de mais nenhum lugar. Só dele. Por fim, de sublinhar uma frase
muito curiosa e que qualquer jornalista devia ficar preso nela. Há um momento,
em que se fala do facto de Lobo Antunes ainda não ter sido contemplado com o
Prémio Nobel da Literatura. E, ao contrário do que costuma sempre dizer, fez
questão de dar uma novidade (e aqui,
assumo, é especulação da minha parte): «O Nobel há-de chegar dentro de três
anos (…). Porquê? Porque com tudo o que tem acontecido à minha volta, é
inevitável. A mim não me interessa nada, mas se der alegria aos portugueses, já
fico contente». Com esta termino, talvez haja uma luz invisível de
reconhecimento em Vida. Admito-o, quero muito. Mais até do que tu, ALA!
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