A famigerada Lista e os fundamentalismos gratuitos.
Eu juro que não queria abordar a famosa lista
VIP do Fisco neste espaço. Mas, ao longo das últimas semanas, ouvi versões,
argumentos e visões de todos os lados da barricada. E se há coisa que não
consigo entender são fundamentalismos gratuitos. O caso reveste-se de dois
planos: o político e o administrativo. Supostamente, e segundo o que altos
dirigentes da Autoridade Tributária reconheceram, é que a famigerada Lista
tinha como objectivo accionar um mecanismo de alerta sempre que fossem
consultados os registos fiscais de alguns contribuintes, previamente seleccionados
pelas cúpulas. Vamos às partes. Politicamente, o caso foi claramente mal
gerido. Tanto o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, como o primeiro-ministro,
garantiram a pés juntos não saber da existência da dita Lista. Segue-se o rolar
de cabeças com o n.º 1 e n.º2 do Fisco a pedirem a demissão. A ser verdade que
nunca foram informados, é por demais grave, já que o assunto, por ser de
interesse público, deveria ter sido levado ao gabinete do Terreiro do Paço. Politicamente
não há desculpas para o respostas como «não sei» ou «a culpa não é minha», um
pouco à boa maneira das birras de criança. O outro lado também tem sido
menosprezado por alguns comentadores do regime. Falo da real necessidade ou não
de soarem alertas sobre acessos indevidos aos processos fiscais de alguns
cidadãos. Ora bem, na minha opinião, é simples. Concordo plenamente com a
criação de uma lista mas não da forma atabalhoada como esta de que agora tanto
se fala. Primeiro, pela simples razão de que a mesma servirá sempre para
garantir o direito ao sigilo fiscal, a que todos, sem excepção têm direito. E aos
que rebatem a questão eu pergunto: gostavam de ver um qualquer funcionário das
Finanças aceder à vossa vida por mera curiosidade e sem razão válida? A resposta
parece-me óbvia. Em segundo lugar a criação de uma lista deste género, elaborada
e assumida com pés e cabeça, garante
realmente o escrutínio daqueles que exercendo cargos de responsabilidade
política e pública, e cuja gestão pode prejudicar o Estado e o país, sejam
responsabilizados. É certo que o Tribunal Constitucional já o faz, mas uma
coisa é declarar rendimentos por via de uma condição legal, outra,
completamente diferente, é poder fugir ao Fisco ou à Segurança Social, anos e
anos a fio, sem consequências. De todo este caso, empolado até
ao tutano nos média, a verdade é que salta à vista muita inexperiência política
e administrativa. E é pena que por causa disso se coloque em causa um mecanismo
que, a meu ver, só poderia beneficiar contribuintes e Estado. Quem não deve não
teme. E se todos somos, alegadamente, iguais perante a lei, devíamos olhar para
uma medida destas como positiva e que, programada com inteligência e explicada
aos cidadãos, podia servir para fiscalizar ainda mais os detentores dos cargos
públicos. Para o bem e para mal. Afinal não é isso que todos defendemos quando
nos falam de corrupção e caciquismo em Portugal? Pelos vistos continuamos a ser
pequeninos demais para ver mais longe e mudarmos também a forma como vigiamos
os mais altos representantes do Estado.
*Crónica de 23 de Março, na Antena Livre, 89.7, Abrantes. OUVIR.
*Crónica de 23 de Março, na Antena Livre, 89.7, Abrantes. OUVIR.
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