Sem Guterres, a estória é outra.
António Guterres finalmente falou,
terminando, assim, com o mais recente tabu da política portuguesa. O antigo primeiro-ministro não será
candidato presidencial nas eleições de 2016 escolhendo, como já se previa, a
carreira internacional. O lugar que Guterres ambiciona é o de
secretário-geral das Nações Unidas, objectivo, aliás, no qual se tem empenhado
nos últimos anos, intensificando o seu trabalho como alto comissário da ONU
para os refugiados. Agora, o tabuleiro à esquerda pode
finalmente começar a dar vida ao jogo. Na verdade, as presidenciais, que já se
tornaram mais importantes que as legislativas nos critérios informativos cá do
burgo, começam a ser demasiado penosas para o xadrez político-partidário. Sem Guterres na corrida, António
Costa mostrou na semana passada, em alguns eventos públicos, que a agulha é
para virar para o antigo reitor Sampaio da Nóvoa, que deverá apresentar a sua candidatura
no final do mês. Se dúvidas houvesse bastaria ver a
forma como Mário Soares veio a público apoiar Nóvoa. O grande problema do
secretário-geral do PS, e que revela as suas fragilidades enquanto líder do
maior partido da oposição, é não ter consultado o partido sobre a escolha
tomada. O sangue que se seguiu nos discursos
de alguns dos mais destacados dirigentes socialistas foi inequívoco. E mais
banhos se seguirão, sobretudo, porque para o PS, sem Guterres, tudo muda. Entretanto, à direita, a estratégia,
apesar de agitada, parece mais serena e racional, capitalizando a embrulhada
que Guterres provocou à esquerda. Sem Guterres, provavelmente um dos melhores
candidatos mais bem posicionados para vencer, talvez a história seja outra. Marcelo quer mas, à boa maneira
catedrática, vai adensando o tabu. Santana desespera. E Rio, que provavelmente
não quer entrar na corrida, vai brincando, ora dando a entender que quer, ora
mostrando que não está interessado. Passos Coelho, esse, está refém de
qualquer decisão, tal como Costa. Contudo, tem uma vantagem para já: não entrou
na festa dos candidatos até ao momento e isso pode bem jogar a favor do espectro
do centro direita. Uma coisa é certa, entre tanto festim
em torno de Belém, todos continuam a esquecer que há umas importantes
legislativas para travar. E também este resultado ditará, em muito, o resultado
do jogo de Belém. Por fim, uma última nota para falar
do caso que chocou o país na semana passada. Um pai que assassinou um filho. Um
filho de seis meses. Escuso-me aqui de falar das causas e de tecer quaisquer
juízos morais sobre o chocante homicídio. A violência do crime basta para nos
paralisar. Quero apenas dizer que este caso, a par de tantos outros que temos
tido conhecimento nos últimos anos, integra aquilo a que eu chamo de
‘consequência e marcas’ sociológicas de um país em crise. De um país que está a empobrecer e a
deixar à vista os sintomas da miséria profunda. Onde apoios e protecção social,
desemprego e pobreza andam frequentemente de mãos dadas, sem que o Estado
esteja presente e assuma as suas responsabilidades. A austeridade tem consequências e,
directa ou indirectamente, elas estão aí. Talvez um dia, os que hoje tomam
decisões lá do alto, com implicações terríveis na vida das pessoas, entrem num
inferno. O inferno do peso das suas consciências que nunca os abandonarão. Será
esse apenas a pena que os espera, num julgamento que ceifa vidas de forma
silenciosa.
*Crónica de 13 de Abril de 2015 na Antena Livre, 89.7, Abrantes. OUVIR.
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