O Inferno de Monchique no país que arde há décadas.
Corria o
verão quente de 2012. No início de agosto desse ano percorri, durante dias, a
famigerada serra do Caldeirão que, nesse ano, viu arder mais de 26 mil hectares
(cerca de 5 mil dos quais de área de produção florestal). A
reportagem desse agosto infernal havia de custar a sair. Aldeias e gentes algarvias
pintadas de negro, vidas inteiras de trabalho destruídas em segundos,
rendimentos económicos familiares esfumados num ápice. A dor dos
outros é, na maioria das vezes, o foco do trabalho de um jornalista, que tem de
se manter de aço ante os sonhos destruídos dos outros, ali, desmoronados à
nossa frente. Já tinha
vivido tragédia semelhante em 2003 e 2005, por aqui, quando o fogo decidiu
trazer Inferno igual aos concelhos de Mação, Sardoal e Abrantes. Mas por
mais anos que passem continuo sem conseguir digerir os mesmos dramas que todos
os anos, por esta altura, afligem o país. E tudo se repete, de forma igual, nas últimas décadas. A
história é sempre a mesma, com os políticos a fazerem promessas de prevenção,
que nunca são cumpridas. Em 2016, depois do agosto duro que se viveu no país e na
Madeira, jamais pensaria que voltaria a reviver tragédia igual no Algarve. Quatro anos depois de ter assistido ao drama do Caldeirão, assisto,
impotente, à destruição da serra de Monchique. Quis o destino ou a coincidência
que estivesse em Portimão nas últimas duas semanas. Foi lá que vivi, dia e
noite, mais uma destruição: de ecossistemas, de floresta, de produção agrícola
que sustenta dezenas e dezenas de famílias no barrocal e nas zonas serranas. O Inferno das sirenes de bombeiros, a angústia estampada na
cara dos que perderam parte importante da sua vida, o cheiro a queimado
insuportável para o corpo e para a alma, tudo isso e o resto que os ouvintes
possam imaginar, me voltou a consumir. Sinto-me, em parte, filha desta terra que há anos me abraça
como se aqui pertencesse desde sempre. E é por isso que não perdoo a nenhum
político deste país, que teve e continua a ter, responsabilidades sobre a
tutela das florestas, pela negligência que têm cometido nesta matéria. Bem sei que não há crime nem punição para a consciência
pesada. Mas os seus nomes e rostos são conhecidos, e sobre si recairá sempre a
espada de terem apenas sido fantoches amedrontados por corporativismos e
interesses menores. Que ponham a mão na consciência e que, de uma vez por todas,
façam qualquer coisa de útil pelo país. Espero é que hoje não seja já tarde
demais.
Crónica de 12 de setembro na Antena Livre, 89.7, Abrantes. OUVIR.
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