A história de uma noite em que o Rock provou a muitos que a dignidade é uma palavra séria

59 anos de estrada. Dezenas de concertos em Portugal. E um Rock in Rio a seus pés. A onda rock believer desceu ao Parque Tejo para manter viva uma chama que prossegue bem acesa nas malhas do puro e velhinho rock

Klaus Meine

"Irrepreensíveis". "De boa saúde". "Impressionantes". "Velhos são os trapos". As frases são retiradas da maioria das reportagens escritas esta madrugada por colegas meus. Algumas vi-as escritas nos monitores frenéticos noite fora. Outras foram sendo partilhadas comigo após o concerto. Perguntavam-me, a medo, se tinham visto algo que eu não vi. Não, viram todos bem. Por outro lado, também não viram o que eu vi. E está tudo bem.

É incrível, como à beira de celebrarem 60 anos de carreira (2025), conseguem dar um espectáculo escorreito, digno, cumpridor e segurar, ao mesmo tempo, 80 mil almas, não é? Pois é, mas eu, que carreguei ontem o 22 concerto, olho com outro olhar. Obviamente, não influenciei ninguém. Propositadamente. Cada um deve relatar o que viu, o que sentiu do público. Está tudo certo. E também é certo que eu sabia ao que ia. Há muito que assisto às fragilidades de Klaus Meine, que completou 76 anos em Istambul no passado mês de maio num grande concerto. Sei que não é só o peso da idade, é a saúde que impede. São as cordas que já não respondem, é o corpo que já não é o mesmo. É exactamente a vida a acontecer.

Klaus Meine e Matthias Jabs

O que aconteceu ontem no Parque Tejo está longe daquilo que eu já vi, que eu vivi. E curioso é exactamente o facto de terem feito um alinhamento especial para este Rock in Rio de que ninguém falou. De terem aberto com um simbolismo incrível num 'Coming Home', que tem tanto de emotivo como de ajuste a Portugal (uma segunda casa há muitos anos) e ao contexto do festival. Não vi ninguém falar sobre isso, mas isso também só quem cá anda há muitos anos consegue entender. Não vi ninguém falar de um Wind of Change com letra alterada desde que rebentou a guerra na Ucrânia. Talvez só enquanto o público cantava percebia que não estava a seguir a letra original, ainda que os ecrãs gigantes o tivessem denunciado.

As chamadas power ballads travavam, envergonhadas, a verdadeira razão da banda, o puro rock invencível de décadas de ouro que lhes valeu mais de 100 milhões de discos vendidos em todo o mundo. E, claro, o velhinho The Zoo sempre entre palmas, porque se há pilar de 59 anos é este. Não falharam os 40 anos de “Love At First Sting” nem muito menos as guitarras alicerces de Matthias Jabs e Rudolph Schenker (para mim o melhor baterista e compositor das décadas de 70, 80 e 90).

Matthias Jabs

Rudolph Schenker

Fico enternecida pela forma como milhares ontem falaram de Scorpions. Sim, cumprem. Mas só lamento que muitos os tenham visto pela primeira vez em 2024. Perderam, há muitos anos, o melhor do Rock Electrizante que já se fez.

Os 60 estão aí. E sei que até lá, estarão de pé. Mas, pela minha saúde e pela vossa, depois disso, que as guitarras descansem. E que os guerreiros tenham a sensatez de olharem para trás e descansarem. Fizeram tudo certo, rapazes! Eu, continuarei cá, com cada momento de 25 anos que me deram. Em tanta circunstância, com o privilégio de 3 backstage, e com a certeza de que seremos rock believers em todas as constelações da existência. E sim, a dignidade é uma palavra séria, e é vossa. Pertence-vos até hoje! 


Fotos: Todos os direitos reservados

Comentários

Mensagens populares