Portugal: um país a arder há décadas
O país vive nas últimas semanas momentos dramáticos, de
inferno constante, com o fogo a comandar o destino das cinzas que hão-de ficar. Ano após ano, quando as temperaturas no verão sobem a
valores elevados, Portugal arde, consumindo a mancha verde que sobra de outros
anos, devastando espaços naturais, matando milhares de espécies da flora à
fauna. Quando o lume cavalga além da floresta, a dimensão ganha
outro sabor, mais amargo ainda, ceifando vidas, destruindo habitações erguidas
pelo suor de uma vida, e atirando para a escuridão centenas de pessoas. Isso mesmo vimos todos na Madeira, a ilha sobrevivente, que
tem superado intempéries atrás de intempéries e resistido recomeçando uma vez
mais do zero. O cenário repete-se todos os anos, seguindo-se às tragédias
o clássico debate na opinião pública pela busca de culpados, seja atirando ao
Governo, à famigerada falta de meios, seja à incompetente gestão da floresta. A culpa, caros ouvintes, é de todos nós. Sem exceção. Porque
todos nós somos ramos da mesma árvore. E percebemos a dimensão dos problemas do
país, quando os políticos andam há décadas a empurrar o problema para frente
sem nada fazer. Acontece na floresta como em tantas outras áreas. Nunca tivemos
reformas estruturais corajosas. Sempre tivemos mais medo de enfrentar os
corporativismos de muitos setores. E a floresta não é exceção. Os dados são negros. Metade da área ardida na União Europeia
este ano está em território nacional. O atualGoverno – como todos os outros
antes dele - anunciou a criação de um grupo de trabalho para desenvolver novas
medidas de prevenção. O que é triste é que este anúncio de tão ridículo daria
para rir se o problema não fosse sério. A Lei de Bases da Política Florestal, com 20 anos, prevê
desde a sua feitura, este grupo de trabalho, e a pergunta que se faz é só uma:
andamos duas décadas para criar um grupo de trabalho? Pelos vistos os nossos
políticos são exímios a anunciar notícias que cheiram a mofo. Uma coisa é certa, neste país, o direito à propriedade é das
vacas mais sagradas que por cá temos. A maioria dos espaços florestais é
privada. Ou se revê, constitucionalmente, esta matéria de uma vez por toda, ou
anúncios ocos de intervenção em terras abandonadas pelo Estado só têm um
destino: milhares de processos em tribunal contra o Estado, onde quem vencerá,
já sabemos, são os proprietários negligentes que por cá temos. Ou se avança seriamente nas reformas estruturais em todas as
áreas ou andaremos para trás ano após ano. Em tantos outros países da Europa e
do mundo, a floresta é um rico potencial económico, gerador de riqueza, de
equilíbrio social e até de impulso nas exportações. Basta viver em Portugal para se perceber o crime que o poder
político, em matéria responsabilidade, tem feito nas últimas décadas. E o povo,
esse, continua a ser manso.
*Crónica de 15 de agosto de 2016, na Antena Livre, 89.7, Abrantes. OUVIR.
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