Julgar? Sim. No tempo certo.



Depois de uma semana fervorosa na política nacional, o País tem Governo. Muito já se disse e escreveu, nos últimos dias, sobre a nova composição executiva escolhida por António Costa. Não irei, nesta crónica, entrar em juízos de valor sobre as competências técnica ou política de ministros e secretários de Estados. Como em tudo, há uns que agradam, outros nem tanto. Há uns com experiência política, outros que precisam ganhá-la. Faz parte dos ciclos das vidas das pessoas. Os Governos não são exceção. Em Portugal, o povo tem, muitas vezes, a memória curta, e apressa-se a julgar sem antes dar o benefício da dúvida ao outro. Nesta fase nova da vida política nacional, mais do que no passado, há que esperar para ver. Há, contudo, uma esperança renovada no ar, nas nossas vidas, com a luz ao fundo do túnel a acenar, essencialmente na melhoria das nossas condições de vida. Assim o esperamos. Mas também o queremos com racionalidade e com noções claras de que nada será como antes. Festas e festins, é certo e sabido, não podem continuar, sob pena de voltarmos à estaca zero no caminho da sustentabilidade do país. Goste-se ou não, temos também de admitir isto. Por isso, o impacto das decisões do Governo de António Costa tem de ser hoje mais ponderado. O novo ministro das Finanças, Mário Centeno, sabe-o. E, sendo um economista com muita moderação no perfil, dá-nos o sossego de um futuro mais próspero.

Uma saída pela porta dos fundos

Por fim, uma nota para lamentar o papel e atitude do Presidente da República em todo o processo de indigitação do Governo. Podemos entender as dúvidas de Cavaco? Podemos. O que jamais conseguirei entender é a forma e maquiavelismo com que o Presidente geriu o problema. A azia e má-fé com que tratou, ou se preferirem destratou António Costa, são inadmissíveis. As exigências que fez à esquerda já numa fase avançada do processo foram incompreensíveis. Falamos do mesmo homem que insistiu, nos dois mandatos em Belém, fosse com Sócrates ou Passos Coelho, naquilo a que ele próprio chamou de «as virtudes do diálogo e do compromisso». E acabou a provar que isso só é possível com aqueles que ele entende deverem poder governar. Felizmente que há Constituição. Se não lhe agradava a opção de um Governo do PS suportado por uma maioria parlamentar de esquerda, não escolhesse essa via. Não pode é decidir e depois fazer o triste espectáculo a que todos assistimos na tomada de posse de António Costa. Porque, no fundo, o incómodo do Presidente não é o PS mas sim os partidos à esquerda do PS. Esta é, para mim, a grande razão de toda esta birra, digna apenas de crianças e não de gente que lidera instituições num país democrático. Uma das personagens mais odiadas do país, e eleito por esse mesmo país à mesma durante 20 anos de poder, está de saída. E sai, tristemente, pela porta dos fundos. Sem glória e confinado à sua veia mais promíscua: a solidão de quem sempre achou que o seu pensamento é melhor que o dos outros. Eu por mim, tal como sempre fiz em relação aos políticos que conheci de perto, fruto do meu trabalho, continuo a pensar que Cavaco foi, em certos períodos, decisivo enquanto primeiro-ministro e presidente da República. Mas o último mandato presidencial correu-lhe para lá de mal. Um desastre a pique que, felizmente, daqui a quase dois meses, tem o fim destinado. Que venha o próximo, mais fresco, e com revitalização do cargo. O país e o Governo de António Costa agradecem.

*Crónica de 30 de novembro de 2015, na Antena Livre, 89.7, Abrantes. OUVIR.

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