Brasil e Moçambique: os países mais expostos às alterações climáticas

90 milhões de pessoas deslocadas vivem em países altamente expostos a fenómenos climáticos extremos.

Moçambique tem sido um dos países mais afetados pelos eventos climáticos extremos, com mais de 1,2 milhões de deslocados internos e 26 mil refugiados devido ao clima e aos conflitos. Foto: UNHCR/Isadora Zoni

Dos mais de 120 milhões de pessoas deslocadas à força no mundo, cerca de 90 milhões vivem em países altamente expostos a eventos climáticos extremos. Só no último ano, foram registadas 45,8 milhões de deslocações internas devido a catástrofes, com 9,8 milhões de pessoas a permanecerem deslocadas dentro do seu próprio país no final de 2024, de acordo com o Internal Displacement Monitoring Centre, divulgado pela Portugal com ACNUR.  

Já as deslocações internas relacionadas com catástrofes representaram 70% de todas as novas deslocações em 2024.

“À medida que a frequência e a intensidade dos fenómenos meteorológicos extremos aumentam, também aumenta o seu impacto nas pessoas deslocadas à força, nas comunidades que as acolhem e nas nossas próprias operações humanitárias, onde nem sempre dispomos dos recursos essenciais para assegurar a sua preparação e resiliência”, alerta Joana Feliciano, Responsável de Comunicação e Relações Externas da Portugal com ACNUR. 

Só no último ano, o ACNUR declarou um recorde de nove emergências relacionadas com fenómenos meteorológicos extremos, nomeadamente inundações e ciclones, em África, Ásia e América Latina. Um número que representa 35% do total de novas emergências declaradas pelo ACNUR em 2024.

Até 2040, a situação deverá agravar-se ainda mais, quem o diz é o parceiro nacional da Agência da ONU para os Refugiados: “Os dados que temos indicam-nos que até 2040 o número de países em risco de enfrentarem eventos climatéricos extremos vai disparar dos atuais 3 para 653. Falamos de um aumento brutal que afetará países um pouco por todo o mundo, desde o Brasil à Índia, Iraque, Camarões, Nigéria, Chade ou Sudão do Sul!”. E realça: “É uma situação verdadeiramente dramática se pensarmos que 65 destes países acolhem mais de 40% de todas as pessoas que vivem atualmente em situação de deslocação forçada”. 

Entre os Estados da CPLP, há dois países que entram nesta lista: são eles o Brasil e Moçambique. Ambos deverão ser fortemente afetados pela crise climática e os eventos meteorológicos extremos: “no caso de Moçambique, temos assistido a um crescimento exponencial do número de deslocados nos últimos anos, causado tanto pelos conflitos em Cabo Delgado, como pelos desastres naturais que não dão tréguas à população. Ciclones e tempestades tropicais, como o Ciclone Chido e o Ciclone Dikeledi de dezembro passado, são cada vez mais frequentes e intensos e o impacto na população tem sido devastador. Atualmente, o país já acolhe mais de 1,2 milhões de deslocados internos e 26 mil refugiados devido ao clima e aos conflitos”, descreve Joana Feliciano. 

Em relação ao Brasil, a Responsável de Comunicação da Portugal com ACNUR relembra as cheias do ano passado no Rio Grande do Sul: “As chuvas fortes deram origem a cheias repentinas e devastadoras que causaram fatalidades e obrigaram 582 mil pessoas a abandonar as suas casas. Entre as pessoas deslocadas encontravam-se 43 mil refugiados e outras pessoas com necessidade de proteção internacional, provenientes da Venezuela, Haiti ou Cuba”. 

Para dar resposta às crescentes necessidades resultantes desta crise climática, o ACNUR tem estado a promover inúmeras iniciativas de modo a prevenir, preparar e adaptar as comunidades para as consequências das alterações climáticas e dos fenómenos meteorológicos extremos. “Por exemplo, nos 10 campos de deslocados com maior risco de inundação, o ACNUR já está a pôr em marcha planos pormenorizados de gestão de infraestruturas. Além disso, 42% dos centros de saúde apoiados pelo ACNUR já são alimentados por energia solar e 27% das pessoas que foram apoiadas com abrigos pela Organização em 2024 vivem agora em abrigos sustentáveis”, conta a Responsável de Comunicação da Portugal com ACNUR. Joana explica também que o ACNUR tem tentado envolver as próprias pessoas deslocadas neste trabalho de adaptação às alterações climáticas, através de iniciativas como os ‘Refugees for Climate Action’. “Trata-se de uma rede que reúne pessoas deslocadas e refugiadas, provenientes de países na linha da frente da crise climática como o Brasil, o Afeganistão, o Iémen, o Haiti ou o Bangladesh, para que possam partilhar as suas experiências e conhecimentos únicos nesta área da sustentabilidade e combate às alterações climáticas, que muitas vezes resultam de iniciativas que já estão a implementar nas suas comunidades de acolhimento”. 

Por outro lado, o financiamento tem sido um dos maiores obstáculos à resposta do ACNUR e será um dos temas em destaque na próxima COP30 no Brasil, que se realiza no final deste ano. “O ACNUR tem estado a reforçar o apelo à comunidade internacional para que seja atribuído mais financiamento às pessoas refugiadas e às comunidades de acolhimento com o objetivo de apoiar os esforços de adaptação e mitigação dos efeitos das alterações climáticas, tornando-as mais resilientes à crise climática. Portanto, sem dúvida que este será um tópico central na próxima COP no Brasil, um dos países que poderá vir a ser mais afetado por este agravamento das consequências das alterações climáticas”, salienta Joana. Atualmente, a Portugal com ACNUR também tem a decorrer em território nacional uma campanha que visa angariar fundos para apoiar esta resposta do ACNUR à emergência climática.  

“É um esforço que deve ser conjunto e para o qual todos podemos contribuir: privados e entidades. Por exemplo, com pequenos donativos, a Portugal com ACNUR consegue ajudar uma família refugiada a obter sementes adaptadas ao clima no Sudão do Sul (19€) ou com 32€ mensais asseguramos um importante contributo para apoiar a instalação de sistemas de energia solar para produção de água em campos de refugiados na África Oriental ou Corno de África”, explica.

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