À descoberta do Santo André: o navio-museu que evoca memórias da pesca de bacalhau

Antigo arrastão bacalhoeiro que integrou a frota portuguesa de bacalhau nas águas do Atlântico Norte, o Navio-Museu Santo André foi recuperado e tornou-se um espaço de visita. Construída em 1948, na Holanda, a embarcação fez a sua primeira viagem um ano depois. Visitámos este antigo «arrastão», ancorado junto ao Jardim Oudinot. Um encontro com as memórias dos que viveram a bordo.

Texto e Fotos: Ana Clara
À medida que nos aproximamos deste antigo navio de pesca de bacalhau, ancorado próximo ao Jardim Oudinot, em Gafanha da Nazaré, facilmente percebemos quão dura foi a atividade a bordo durante o meio século em que laborou. 
O Santo André é um arrastão salgador e congelador imponente; mais de 70 metros de comprimento. Um grosso casco, pintado a azul profundo. Uma pujança necessária para as duras águas da Terra Nova, Mar do Norte, Gronelândia, Islândia, Noruega, Ilhas Faroé (território dinamarquês), entre outras regiões onde o navio operou. 

Uma embarcação que é também um espaço de evocação. Um painel inscreve os nomes de todos os que habitaram este espaço sobrevivendo a condições extremas. Memórias também transcritas sob a forma de relatos dos pescadores. Narrativas plenas de aventuras, dores, mágoas, perdas e muitos pormenores técnicos sobre a «Faina Maior».  

Um périplo que começa no convés, onde se impõe aos nossos olhos o guincho, sistema outrora operado pelo guincheiro, com potência para suportar o aparelho de pesca e o peixe capturado. 

Capturas que podiam ascender, com condições propícias, a várias toneladas de peixe por dia. Dai se compreenda a existência a bordo de uma pequena fábrica (o designado Parque de Pesca) de transformação do pescado. Uma unidade com capacidade para processar 12 toneladas de bacalhau diariamente.  
Seguimos para o porão de salga e dos congelados. Era aqui que o bacalhau era salgado individualmente e empilhado. A salga era feita por um grupo de salgadores, coordenados pelo mestre de salga.
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Durante a campanha, o peixe preenchia os espaços laterais e centrais até o último bacalhau tapar a boca da escotilha do porão, com capacidade para armazenar mil toneladas de peixe, 80% da capacidade total do navio. 
"O Santo André é um arrastão salgador e congelador imponente; mais de 70 metros de comprimento. Um grosso casco, pintado a azul profundo. Uma pujança necessária para as duras águas da Terra Nova, Mar do Norte, Gronelândia, Islândia, Noruega, Ilhas Faroé (território dinamarquês), entre outras regiões onde o navio operou" 
Prosseguimos viagem e percorremos alguns dos espaços mais intimistas do navio. Visitamos a cozinha onde, outrora, o cozinheiro e dois ajudantes cumpriam a rotina de confecionar as refeições da tripulação. Seguimos para a câmara dos oficiais, área restrita, com a sua copa, a sala de jantar, os camarotes do capitão, do piloto e enfermeiro, bem como uma casa de banho. Somos convidados a entrar nos restantes camarotes, os que serviam a tripulação. 
Construído em 1948 na Holanda, o Santo André fez a sua primeira viagem em 1949 nos mares da Terra Nova. O seu primeiro Capitão foi o ilhavense José Pereira Bela, como nos indica uma inscrição no navio. 
A última viagem do Santo André decorreu em 1997, rumo à Noruega. O comando esteve entregue a Manuel Silva Santos. 
Na década de 80 do século XX, as restrições à pesca em águas exteriores acabou por apanhar o Santo André na «onda dos abates». 
O navio foi desmantelado em agosto de 1997. O seu destino era o abate. Foi neste momento que a autarquia de Ílhavo, com a ajuda do armador do navio à época, António do Lago Cerqueira, decidiram unir esforços e transformar o velho Santo André em Navio-Museu. 
Com a ajuda também da Associação dos Amigos do Museu, o navio seguiu para transformação e recuperação entre 2000 e 2001. Abriu portas a 23 de agosto de 2001, no Cais Bacalhoeiro, na Gafanha da Nazaré. Em 2007, a embarcação foi transferida para o Jardim Oudinot, espaço que recebe anualmente o conhecido Festival do Bacalhau, em memória das tradições pesqueiras locais.  
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