Sismo em Myanmar aprofunda crise humanitária para 1,6 milhões de pessoas deslocadas
Myanmar vive uma crise dentro de uma crise. O sismo de final de março veio agravar um contexto já muito dramático e o parceiro nacional do ACNUR aponta para que milhões de deslocados nas zonas mais afetadas estejam agora numa situação limite e de grande vulnerabilidade.
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O ACNUR reforçou a sua resposta de emergência para dar respostas às necessidades de 25 mil sobreviventes. Estão a ser distribuídas tendas, lonas, colchões e kits de cozinha. Foto: UN |
O sismo de magnitude 7,7 que atingiu a região central de Myanmar no dia 28 de março e que já resultou na morte de mais de 3.500 pessoas e fez mais de 5 mil feridos, enquanto centenas de outras pessoas se encontram desaparecidas, causou uma destruição em larga escala e veio agravar ainda mais uma das crises humanitárias mais severas do mundo.
Joana Feliciano, Responsável de Comunicação e Relações Externas da Portugal com ACNUR relata a situação que se vive no terreno: “O tremor causou uma destruição significativa de infraestruturas, incluindo o colapso de edifícios e danos em estradas e pontes, além de cortes de energia em várias áreas, que levaram a perturbações nas telecomunicações e na Internet. As unidades de cuidados de saúde estão sobrecarregadas de doentes, além de que quatro hospitais e um centro de saúde ficaram totalmente destruídos e outras dezenas de instalações médicas estão também danificadas e a funcionar com capacidade limitada. Todas estas circunstâncias estão a afetar o trabalho, socorro e a dificultar a prestação de ajuda humanitária”.
Assistência humanitária essa que é crucial quando se estima que este sismo tenha afetado diretamente cerca de 15 milhões de habitantes, entre os quais milhões de pessoas deslocadas internas, apátridas da minoria Rohingya e comunidades vulneráveis que vivem nas regiões mais atingidas.
“Nas regiões de Mandalay e Nay Pyi Taw, este terramoto veio provocar um sofrimento acrescido para 1,6 milhões de pessoas que já viviam em condições extremas devido a quatro anos de conflito armado e à deslocação forçada”, alerta o parceiro nacional da Agência da ONU para os Refugiados (ACNUR). E acrescenta: “o terramoto veio aprofundar estas vulnerabilidades, colocando mais vidas em risco e levando as capacidades de resposta ao limite”.
De momento, o ACNUR reforçou a sua resposta de emergência e está a mobilizar material e bens de emergência para apoiar cerca de 25 mil sobreviventes nestas duas regiões. “Algumas pessoas nas zonas mais afetadas têm passado as últimas noites ao relento, porque as suas casas foram danificadas, completamente destruídas ou apenas porque estão com medo de regressar para o interior dos edifícios. Por isso, só nos últimos dois dias, o ACNUR esteve a distribuir tendas e bens não alimentares, incluindo lonas, redes mosquiteiras, colchões para dormir e utensílios de cozinha, a cerca de 3 mil famílias em Mandalay”, dá conta Joana Feliciano. No entanto, as necessidades mais urgentes vão muito além disto.
4 anos de conflito e perseguição aos Rohingya já desencadeavam uma crise humanitária em Myanmar, mesmo antes do sismo
“A crise humanitária em Myanmar não é nova, apenas se viu agravada pelos acontecimentos recentes. Há já vários anos que a situação no país se vem a deteriorar devido aos conflitos armados, aos desastres naturais e à perseguição e violação dos Direitos Humanos da minoria muçulmana Rohingya”, explica Joana Feliciano. Antes mesmo do sismo, Myanmar já enfrentava uma crise humanitária grave. O ACNUR estima que 19,9 milhões de pessoas necessitavam de ajuda humanitária, um número que agora tende a crescer exponencialmente.
O conflito armado que se estende há quatro anos, desde o golpe militar em fevereiro de 2021, já obrigou 3.6 milhões de pessoas e 634 mil apátridas a fugirem e a deixarem tudo para trás, estimando-se que, até ao final de 2026, este número possa chegar aos 6 milhões de pessoas deslocadas à força ou apátridas e que mais de 5 milhões de pessoas necessitem de assistência humanitária anualmente. Além dos conflitos, também o clima volátil de Myanmar, marcado por ciclones e monções, tem contribuído para o agravamento desta situação, desencadeando emergências dentro de emergências e deslocando repetidamente comunidades que já se encontravam à beira do abismo.
Entre as pessoas mais afetadas por esta crise humanitária estão os Rohingya, uma minoria muçulmana que tem sido sistematicamente exposta à violência, à discriminação e à violação dos seus direitos mais básicos. Esta minoria étnica e religiosa vive há décadas como apátrida em Myanmar, ou seja, não possui documentação que os legitime como cidadãos do país onde nasceram. Em agosto de 2017, uma onda de violência levou mais de 700 mil Rohingya a fugirem para o Bangladesh. Atualmente, este número já chega quase a 1 milhão de refugiados Rohingya, que vivem em campos superlotados em Cox's Bazar, enfrentando condições precárias e estando totalmente dependentes de ajuda humanitária para sobreviver.
A falta de financiamento tem sido um obstáculo crítico para fazer face a esta grave crise humanitária. “Já ao longo do ano de 2024, o grave subfinanciamento afetou drasticamente a capacidade dos parceiros humanitários para prestar ajuda vital às pessoas a quem tinha sido dada prioridade para assistência urgente, e agora em 2025 vemos a situação a repetir-se, sendo que até ao momento apenas 5% dos fundos necessários para este ano foram arrecadados, colocando milhares de vidas em risco imediato”, adverte a Responsável de Comunicação da Portugal com ACNUR.
Estes valores de financiamento tinham sido calculados antes deste recente sismo, e agora “que as necessidades se agravaram severamente, é pedido que se atue de forma rápida e generosa para evitar mais perdas de vidas e para ajudar as comunidades a iniciar o processo de recuperação”.
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