Congo e Sudão: mais de 20 milhões forçados a fugir numa crise humanitária dramática

Cerca de 50% das pessoas estão, neste momento, a ser deslocadas à força no continente africano, com duas grandes crises humanitárias a contribuírem para esta realidade: a República Democrática do Congo e o Sudão. A 'Portugal com ACNUR', parceiro nacional da Agência da ONU para os Refugiados, alerta para uma "situação insustentável" com um escalar dos conflitos armados, graves violações dos direitos humanos e a fome extrema, que já é uma realidade para milhões de pessoas nesta região.

A emergência no Sudão tornou-se uma das maiores e mais preocupantes crises humanitárias do mundo, com mais de 13 milhões de pessoas deslocadas e 24 milhões de sudaneses a enfrentarem uma situação de fome extrema. © UNHCR

O continente africano enfrenta uma das suas maiores crises humanitárias em décadas, com mais de 71 milhões de pessoas forçadas a fugir e a abandonar os seus lares até ao final de 2025, segundo estimativas do ACNUR, a Agência da ONU para os Refugiados. O que significa que cerca de 50% do total das deslocações forçadas em todo o mundo ocorrerão no continente africano. Duas das situações mais alarmantes têm lugar na República Democrática do Congo e no Sudão, onde conflitos armados prolongados, desastres climáticos e o colapso de infraestruturas essenciais deixaram milhões em situação de extrema vulnerabilidade.

“Em ambos os países, a realidade é verdadeiramente dramática com mais de 20 milhões de pessoas numa situação de deslocação forçada - cerca de 9 milhões de pessoas na República Democrática do Congo e aproximadamente 13 milhões no Sudão”, constata Joana Feliciano, Responsável de Comunicação e Relações Externas da Portugal com ACNUR, citada em comunicado.

“Falamos de pessoas - na sua larga maioria mulheres e crianças, muitas delas desacompanhadas - que neste momento não têm qualquer abrigo, condições de segurança ou água e alimentação para garantir a sua sobrevivência e das suas famílias nas próximas semanas. E, neste momento, nem o ACNUR nem as organizações parceiras locais, têm reunidas todas as condições para dar resposta às necessidades verificadas, quer devido às dificuldades de financiamento das operações, como à incapacidade de garantir corredores humanitários e a segurança do pessoal humanitário que luta diariamente para ajudar todas estas pessoas”, relata.

Escalar do conflito armado no Congo provoca nova vaga de 9 milhões de deslocados 

Na República Democrática do Congo, a situação humanitária tem vindo a agravar-se drasticamente desde o final de 2024, sendo já reconhecida neste momento como uma das maiores crises humanitárias do mundo. Mais de 7,8 milhões de pessoas estão deslocadas internamente - o segundo maior número em África -, e cerca de 1,1 milhões de refugiados congoleses já foram forçados a fugir para outros países vizinhos. A República Democrática do Congo acolhe ainda cerca de 520 mil pessoas requerentes de asilo e refugiados de outros países.

Até ao final de 2025, o número deslocados em África pode chegar aos 71 milhões, com as crises humanitárias da República Democrática do Congo e do Sudão a serem os contextos mais urgentes e preocupantes. © UNHCR/Reason Moses Runyanga


O conflito armado nas províncias de Kivu do Norte e Kivu do Sul, alimentado pela disputa sobre recursos minerais valiosos como o ouro e o coltan (columbite-tantalite), provocou uma onda de violência e violações generalizadas dos Direitos Humanos neste território, incluindo assassinatos, sequestros, violência sexual e recrutamento forçado de menores por grupos armados. Para agravar a situação, nas últimas semanas, esta região foi ainda assolada por cheias devastadoras que colocaram estas comunidades numa situação que já era precária e que se tornou ainda mais vulnerável, com mais 10 mil pessoas desalojadas em Tanganyika. “Estamos a assistir a uma combinação de fatores, entre os quais os conflitos armados e a ocorrência de fenómenos atmosféricos extremos, que está a empurrar comunidades inteiras para uma espiral de fome, epidemias e desespero”, revela Joana Feliciano.

Nos países vizinhos, nomeadamente no Burundi e no Uganda, dois dos territórios que mais refugiados congoleses têm acolhido, a situação também se está a tornar insustentável, tendo sido registado um aumento de 450% de novas entradas em relação ao mesmo período de 2024. O parceiro nacional do ACNUR alerta: “Desde janeiro, a chegada de cerca de 139 mil refugiados a estes países tem vindo a sobrecarregar centros de acolhimento já no limite e a falta de abrigo, água potável e serviços de saúde estão a tornar impossível uma resposta humanitária adequada às necessidades. Casos de cólera e desnutrição infantil estão a aumentar e a morte por fome começa a ser uma realidade, com 2,3 milhões de pessoas em quatro províncias afetadas pelo conflito em curso a enfrentarem uma situação potencialmente fatal nos próximos meses, a menos que sejam tomadas medidas urgentes. Mas pouco podemos fazer devido aos cortes críticos no financiamento internacional que ameaçam travar por completo a ajuda de emergência”.

1 em cada 13 refugiados no mundo é sudanês

Dois anos de um conflito armado que não parece ter fim à vista provocaram uma emergência humanitária sem precedentes no Sudão e levaram a que, atualmente, 1 em cada 13 refugiados no mundo seja sudanês. Quase 13 milhões de pessoas já foram obrigadas a fugir, com cerca de 4 milhões a terem mesmo de procurar refúgio em países vizinhos, como o Chade, Egito, Etiópia e África Central, alguns deles também territórios muito pobres e vulneráveis e sem capacidade para dar resposta a todas estas pessoas.

O intensificar dos conflitos armados no Congo tem levado a grandes fluxos de deslocações forçadas, com mais de 1 milhão de pessoas a terem de se refugiar em países vizinhos como o Burundi. © UNHCR/Charity Nzomo


No entanto, as consequências desta crise humanitária são ainda mais devastadoras, com mais de 24 milhões de sudaneses - mais de metade da população do país - a enfrentarem uma situação de fome extrema, incluindo 15 milhões de crianças em necessidade urgente de assistência. Além disso, o ACNUR tem também recebido relatos de graves violações dos Direitos Humanos, incluindo violência sexual sistemática, e tem vindo a reportar violentos ataques a campos de deslocados em Darfur, como Zamzam e Abu Shouk, que acolhiam mais de 700 mil pessoas, obrigando dezenas de milhares a fugir novamente.

Toda esta região do continente africano enfrenta agora uma situação limite, com novos fluxos de pessoas deslocadas internas e refugiadas que procuram por segurança e condições básicas para garantirem a sua sobrevivência, conflitos que não veem fim à vista e catástrofes naturais que destroem abrigos e infraestruturas críticas. 

“A escassez de alimentos, água potável e medicamentos está a transformar uma crise humanitária numa catástrofe absoluta. Não podemos continuar a ignorar estas crises que se desenrolam longe dos holofotes mediáticos, mas que todos os dias põem em causa vidas humanas. É urgente agir com financiamento, com cooperação internacional e com empatia humana!”, apela Joana Feliciano.

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